quinta-feira, 16 de junho de 2011

como posso até ir para a cadeia por criticar a Fundação Cultural de Blumenau

Carta aberta aos artistas e cidadãos desta nau
(cai...não cai...?... ei, estamos todos na mesma nau!)

OU: 

Por que eu saí do Conselho Municipal de Cultura e como posso até ir para a cadeia por criticar a Fundação Cultural de Blumenau

Após muito refletir, me aconselhar, após noites não dormidas, cápsulas e mais cápsulas de diferentes fármacos para me anestesiar os ânimos, resolvi fazer o que deveria ter feito há quase um ano.

Meus caros, não meus, e não tão caros assim, o que vão ler a seguir é uma tentativa de relato, do que vivi nos últimos meses, tentativa de esclarecer episódios, posturas, silêncios,  arrependimentos, desgostos e transformações.

A questão que me faz neste momento vir a público é um fato extremo, uma das pontas de tudo que tem se passado em nosso cenário cultural. Como muitos sabem, e muitos não sabem,  em março último renunciei a minha cadeira de Conselheira Municipal de Cultura de Blumenau, eleita pela sociedade civil. Os motivos são alguns...

Um dos pontos mais sérios é que estou sendo processada judicialmente pela presidente da Fundação Cultural de Blumenau por crime de desacato, porque um dia, lá em abril de 2010, durante uma reunião com vários artistas para discutir problemas com o edital e o pagamento dos artistas aceitos no Salão Elke Hering (após panelaço, discussões e uma série de reuniões desmarcadas, lembram?? http://umescambau.blogspot.com/2010/04/resultado-ou-nao-da-reuniao-com-fcblu.html) eu perguntei  à diretoria da Fundação Cultural: “Por que vocês não são honestos e assumem que o edital tem uma série de problemas e erros e que vocês demoraram muito a se posicionar, que só se manifestaram agora, quando os artistas começaram a protestar?” Imediatamente minha expressão foi contestada: “Você está nos chamando de desonestas?/ Nunca fui tão ofendida, na minha vida!!”. Peraí, eu não as chamava de desonestas, eu lhes pedia honestidade e transparência, nesta questão específica, honestidade em admitir a sequência de erros e omissões (já se passavam dois meses de uma lista de e-mails e vai-e-vens entre o jurídico da fundação e artistas de todo o Brasil que participavam do Salão sem um retorno efetivo da Fundação). Após uma discussão sobre o significado das palavras honesta/desonesta/honestidade, uma intervenção da professora Noemi, a questão pareceu esclarecida. Naquela mesma noite, a presidência da Fundação foi ainda criticada por muitos outros artistas que a chamaram de “incompetente”, de “inapta”, sugeriram que se retirasse do cargo e aí por diante.

Mas, por algum motivo obscuro (nem tanto, na verdade, afinal eu sempre devo ter sido uma pedra em seu sapato) a presidência da FUndação abriu um boletim de ocorrência contra mim, especificamente, juntamente com um outro artista, que tinha se manifestado de maneira muito distinta da minha naquela noite ( a quem eu havia pedido, inclusive, que se acalmasse, a quem eu havia falado que não estávamos ali para atacar pessoas, mas para discutir e resolver questões de política cultural; o mesmo artista que me acusaria naquela mesma noite, de proteger a presidente e de conivência com a Fcblu, me ameaçando por e-mail e, posteriormente, espalhando para toda a classe que eu estava vendida para a Fundação).

Bem, mas passada a fatídica noite de abril, com aparentemente 'tudo resolvido', foi só em agosto, numa sexta-feira, que chegando em casa após uma semana de trabalho, que recebi uma intimação da delegacia, em que devia me apresentar como autora de um crime, o qual eu desconhecia. Passei um fim de semana infernal, chorando, perdendo o sono, e tentando me lembrar se eu havia ferido alguém, batido o carro, roubado galinha, mas nada me vinha à mente. Eu que só tinha pisado numa delegacia como repórter, tinha agora o constrangimento de comparecer mediante intimação, como acusada de um crime que eu sequer sabia qual era. Quando vi de que se tratava, mal pude acreditar, eu jamais imaginaria que pudesse ser processada por tal motivo, haviam se passado meses, na semana anterior, inclusive, eu estava justamente ajudando a presidente da Fundação Cultural a reunir argumentos e redigir um documento para uma reunião com o prefeito; e ela ‘utilizou’ meus serviços voluntários e idealistas, em silêncio, sem me contar que estava me processando.

Saindo da delegacia, imediatamente procurei a então presidente do Conselho Municipal de Cultura, Noemi Kellermann e o então vice-presidente Jamil Dias. Quase tão assustados quanto eu com o processo, resolveram marcar uma reunião com a presidência da FCBLU. No dia seguinte nos reunimos e após, muita conversa (uma manhã e uma tarde) e ponderações, após os Conselheiros terem declarado que testemunhariam a meu favor e que esta situação só geraria mais desgaste, chegamos a um acordo, a presidência desistiria do processo e eu manteria segredo sobre o ocorrido. 

Pois bem, fiquei quieta, e com o sapo atravessado, diante da tonta (e egoísta e covarde, admito) esperança de que o processo seria retirado e o assunto se encerraria ali. Uns dias depois fomos informados pela presidente da Fundação, que ela solicitara a suspensão do processo, não havia mais com que se preocupar. Sendo assim, eu não compareci a audiência que estava marcada para o início de setembro, em que poderia apresentar minha defesa e ter direito a uma conciliação.
De lá pra cá, confesso que perdi muitas de minhas ilusões, mas, mesmo calejada e decepcionada, com um sorriso amarelo e sem olhar nos olhos daqueles que me acusavam, continuei meu trabalho como conselheira. Aliás, não tenho dúvidas, vergonha ou falsa modéstia de dizer, que trabalhei muito, muito mesmo, para representar dignamente a sociedade civil, os artistas e colegas que me escolheram para tal cargo, procurei manter nossas reivindicações sempre na pauta do conselho, fundação e da prefeitura, incomodei a todos, com muitas críticas.... Trabalhei, penso hoje, muito mais do que a causa merecia, trabalhei cegamente, apaixonadamente, de peito aberto (isso não se faz, eu já passei dos 30).

Foi uma batalha constante junto com outros conselheiros, diante da ausência de respaldo e retorno do poder executivo, para construir politicas culturais sólidas, e fazer com que as demandas das conferências pudessem ser atendidas (que fique claro, não somos mais crianças, que não há milagres, que falamos de grandes transformações que acontecem no pequeno, no médio e no longo prazo). Tivemos que contar com a impaciência dos artistas, críticas pertinentes, e adeprejamentos insanos (renderia um filme de terror) - estávamos numa briga por políticas culturais sólidas, políticas públicas, o que punha consequentemente fim a uma tradicional política de balcão, de apadrinhamentos e benefícios pessoais, a que muitos artistas já haviam se acostumado. 
Enfim, cansada do chumbo de cá e de lá, com minha vida pessoal em frangalhos(sim, porque as consequências já invadiam meus espaço privado), resolvi renunciar ao Conselho, e ficar quietinha no meu canto – cuidar da minha vida privada, da  minha casa, pagar minhas contas, fazer as unhas, não é isso o que esperam de nós??
Mas, eis que, um mês e meio depois do meu recolhimento, chega nova intimação judicial. O processo não fora arquivado e eu estava sendo ainda processada por desacato. 
Mais dias de angústia, que só cessarão (e eu espero que cessem) no próximo dia 28 de junho, quando terei uma audiência com o juiz. O processo diz que sou acusada de crime de desacato,  cuja pena é de seis meses a dois anos de detenção. Como sou primária, não tenho qualquer antecedente, tenho direito a um benefício que antecede a tramitação no judiciário (denúncia do Ministério Público), chamado de transação penal, em que posso escolher pagar uma multa ou uma pena restritiva de direitos (serviço comunitário ou algo semlhante), para não dar continuidade ao processo. Mas por outro lado, perco o direito de provar minha inocência, de me defender - ou seja, aceito uma pequena pena para me poupar de todo desgaste de um processo judicial.
Novamente os conselheiros  Noemi e Jamil intemerdiaram a questão e foram esclarecer o caso com a presidente da Fcblu. Ela mostrou o documento em que renuncia da denúncia, mas admitiu que não acompanhou se o caso havia mesmo sido encerrado. A presidente se prontificou em ver o que poderia ser feito, mas sua advogada já nos informou que elas não tem mais nada a fazer. Parece que, por se tratar de servidor público, o indivíduo privado perde poderes sobre o processo, que passa a ser de interesse do poder público.

Enfim, eu, que já fui rotulada de “o verbo”, e que tentei ficar calada diante dos fatos, apenas para não me desgastar ainda mais, para não me expor ainda mais, volto a abrir minha boca. 
Eu falo porque acredito no direito a liberdade de expressão, e na minha inocência desta acusação feita no calor dos ânimos; falo porque me entristeço de ver o esvaziamento do Conselho Municipal de Cultura, e a desesperança; falo porque sinto pena que a classe artística tenha preferido se desmobilizar, e que cada um ande mais preocupado com o seu quadrado; falo porque sou idealista incurável, porque ainda prefiro a paixão dos jovens à hipocrisia e à estabilidade; falo porque me julgo covarde e egoísta de não ter publicizado cada fato e minha franca opinião na hora, no momento certo.... Talvez seja tarde, mas, como diz o ditado, antes tarde do que nunca.

Aline AssumpçãoArtista visual, produtora cultural, jornalista, professora, Ex-Conselheira Municipal de Cultura.

Você pode repassar esta carta a quem você quiser, ou publicá-la. Só peço que ao repassar ou republicar, o seu conteúdo seja veiculado/disponibilizado na íntegra, sem cortes. (já basta de mal entendidos!)

14 comentários:

Marco Struve disse...

Minha querida!

Estou perplexo e atinito!

Se houver algo em que puder ajudar, não se acanhe em falar!

Abraços

Marco Struve

Ali Assumpção disse...

Muito obrigada pelo carinho e apoio, Struve!
Abraço,

eu respiro arte disse...

Oi Aline. Nem sei o que dizer. Sim, porque o que não dizer encheriam páginas e mais páginas - A cultura blumenauense roubou a liberdade de expressão - Agora precisamos medir nossas palavras tb. Que absurdo. A falta de entendimento é grande demais. Que Blumenau é essa? Mesmo tão longe, estou solidária com vc. Podemos conversar pelo skipe, se quiseres, só fique atenta com o fuso-horário - estamos com 1 defasagem de 5 horas. skipe: roseli.hoffmann

Eu saí do cenário cultural por razões bem graves tb.

Não desista da arte. bjs grandes, Roseli

Soprarte disse...

penso que arte+ política é uma junção beeeem duvidosa. desejo muito que essa situação seja resolvida em breve, e que te sintas livre e leve pra fazer arte! afinal, é pra isso que nascemos! deixa o resto pro resto....hehe

Charles disse...

olá soprarte. penso que sobre isto de que arte e política são quadrados isolados... é como mente e corpo, são uma coisa só. arte sem política são belíssimos vazos de cemitério. A não ser que estejas se refirindo a uma política exclusivamente partidiária, mas isto também não é o caso nesta situação que a ex-conselheira de cultura publicou aqui. abraço, Charles.

Ricardo Machado disse...

Eis mais um intolerável fato que não podemos tolerar. Se tornamos natural atitudes autoritárias como esta, estaremos abrindo mão de direitos fundamentais para o exercício da liberdade. Até agora pisaram nas nossas flores e mataram nossos cães. Mas, se nos calarmos, amanhã virão para cortar nossa garganta e aí definitivamente estaremos silenciados.

viegas disse...

Aline, estamos aí para ajudar no que for necessário.

Ali Assumpção disse...

quando falamos em política, falamos de relações que regem nossa sociedade (e não necessariamente de partidarismo, e muito menos de politicagem), a arte vem da sociedade, vive dela é sempre devolvida a ela... não vejo como artista (ou qualquer cidadão)se eximir dessas relações, como se isolar do mundo... além do mais, nós todos, cidadãos temos o direito e dever de participar do 'público', o público não é dos gestores, é do povo, do cidadão, do artista, da criança, do marceneiro, da dona de casa...os gestores estão a nosso serviço, não são nossos superiores, são nossos funcionários, estão a serviço do bem estar coletivo...temos que nos fazer presentes, - essa presença, essa participação, a proatividade, que chamamos política.

abraços ( e não desisti de pensar politicamente e muito menos do meu espaço de cidadã artista, mulher, jornalista, professora, dona de casa...)

Anônimo disse...

Aline, me dei o direito de divulgar esta atrocidade.

Publiquei, na íntegra, seu texto na minha coluna sobre cultura no portal Análise em Foco.

http://analiseemfoco.com.br/site/noticia.php?cod=9&sub=20

Estava presente no dia e sei que não houve desacato. Estou do seu lado.

Ali Assumpção disse...

obrigada, meninos, por todo apoio e carinho!
como o ricardo, penso que mais que uma questão pessoal, isso é uma questão relacionada a nossos direitos civis...estou sendo processada individualmente, mas penso q estamos todos sendo feridos e reprimidos por esta sequencia de fatos, que tanto tem nos desgastado e desrespeitado!

Gi_Corrêa disse...

Me revelo boquiaberta... É insano que a classe artística seja ridicularizada, mas até a isso já nos acostumamos. Acostumamos com a rua e o sorriso, acostumamos com a falta de apoio, nos acostumamos ao fato de que cultura e arte estejam em segundo plano. Eu, nada tenho a ver nem conheço as pessoas a quem você se refere, mas me incomodo com esta nossa inércia. Não é apenas uma questão municipal, é, extrapolando os dados, algo nacional e, interiorizando os fatores, uma questão com a qual cada um de nós se acostumou a viver. A falta de verba para a cultura é uma vergonha e também é uma vergonha que tenhamos que pedir desculpas por nos expressar, que percamos tempo discutindo significados em momentos que deveríamos estar discutindo metas.

Desejo-lhe força amiga, não apenas para que venças este obstáculo, mas para que continues lutando e acreditando.
Abraço, Gi.

fabricio disse...

como assim? vc não insultou as pessoas. "desonesta" é uma normalidade de políticos, então um fato da personalidade dos político, então vc só falou a verdade.
essa acusação contra vc é ridícula!

Assim, em essas situações com policiais e outras "personalidades importantes", eu sempre falo em alemão, mas muito duras palavras de repreensão.

Roberto Belli disse...

Aline, certamente você está com a razão e um administrador público não pode atingir assim um cidadão. Fique tranquila que você tem a solidariedade de toda a classe artística. Pois, quem dirige a cultura de Blumenau hoje está com os seus dias contados. Foi ótimo isso acontecer, pois agora a Marlene vai cair. Parabéns pela coragem, Aline!

Skinneriano disse...

A cultura de Blumenau esta destruída, podre e ridicularizada. E as pessoas que lutal por ela são submetidas e isso que lemos acima, pela incompetencia de nossos dirigentes. Lamento.