Entrevista concedida a Maicon Tenfen e publicada em seu Blog , escritor e colunista do Jornal de Santa Catarina
Palestra sobre pornografia - 3
Maicon Tenfen
Reitero que às 16h do próximo dia 24, sábado, na sala D-004 da FURB, acontecerá a palestra O Corpo Pornografado, ministrada pelo historiador Viegas Fernandes da Costa (pensei em colocar uma foto dele no post, mas mudei de ideia ao encontrar a imagem ao lado). Abaixo, uma entrevista com o palestrante
1) Como será a palestra no sábado?
A palestra integra uma programação do grupo de estudos Clio no Cio, que vem debatendo a história do corpo em suas diversas manifestações socioculturais. Já aconteceram as palestras a respeito do corpo na moda, do corpo disciplinado e do corpo nas artes plásticas. A última tratará da literatura erótica. A nós coube a tarefa de discutirmos o corpo a partir do cinema pornográfico. Assim, a palestra “O corpo pornografado: recortes da história do cinema pornô” não está descontextualizada, mas integra um debate muito mais amplo. Neste sábado pretendemos olhar para o cinema pornográfico enquanto gênero narrativo, sua caminhada desde os stags do início do século XX até as produções mais recentes, feitas exclusivamente para o vídeo. Juntamente à exposição da história e das possibilidades de compreensão cultural, estaremos exibindo pequenos trechos de filmes pornográficos que nos permitirão perceber as diferentes estéticas empregadas no transcorrer da história do gênero. Como se trata de um tema ainda pouco discutido no Vale do Itajaí (na perspectiva acadêmica), a intenção é introduzir o debate e aventar as possibilidades de olhares sobre a sociedade a partir desse gênero cinematográfico.
2) Mais especificamente, que relações você faz sobre pornografia e sociedade?
O cinema pornográfico (e, atualmente, o seu correspondente em vídeo) é uma manifestação cultural como qualquer outra. Só existe porque é socialmente produzido e consumido. Assim, entender o cinema pornográfico enquanto manifestação social e cultural é reconhecer que o mesmo implica em saber. O cinema pornô constrói saberes e, assim, é lícito estabelecermos saberes a respeito dele. A pergunta que faço é: o que pode nos dizer determinado filme, ou determinada escola cinematográfica, a respeito da sociedade que o produziu e o consome? Ao olharmos para a história desse gênero de cinema, perceberemos que os filmes mudaram, não só nos seus aspectos estéticos, mas também nos aspectos narrativos e de tudo aquilo que gravita no seu entorno. Olhar para o cinerma pornô é, também, olhar para o seu público, para a indústria cultural que o produz.
3) Qual sua base teórica?
No Brasil, a temática ainda é pouco discutida. A partir da década de 90 dois importantes trabalhos surgiram a partir de pesquisas acadêmicas e que tratam especificamente do cinema pornográfico: o primeiro do professor Nuno Cesar Abreu, e em seguida o do antropólogo Jorge Leite Jr, que se detém especificamente sobre o bizarro (um gênero dentro do gênero). Estes dois trabalhos servem de base para a palestra. Na perspectiva filosófica, Michel Foucault, Sade, Bataille e Roger Chartier (cujo olhar que lança sobre a literatura – o da teoria da recepção – permite-nos olhar também para o cinema pornográfico). Nesta palestra, especificamente, talvez a perspectiva de Chartier fale mais alto.
4) Quando e como você começou a se interessar pela história do corpo?
Desde a minha graduação em História estive preocupado em compreender a história do corpo, sua constituição cultural e social. Este corpo que se normaliza, desnaturalizando-o. Porque o que é normal difere daquilo que se impõe enquanto natural. Comecei tentando entender a construção da normalidade a partir do estabelecimento do diferente, do anormal. Estudei os concursos de robustez infantil em Blumenau e o discurso eugenista do médico Afonso Balsini, e para tal vali-me das leituras que fiz de Foucault, Nietzsche, Roberto Machado entre outros. Foram estas leituras que me despertam para olhar o cinema pornográfico além da fruição. Primeiramente me chamou a atenção a disciplinação do cinema pornô no espaço de uma videolocadora especializada. Nas estantes notávamos (e ainda se nota) a compartimentalização do gênero em outros gêneros menores: soft core, interracial, gay, lésbicas, gang bang, zoofilia, fetiches com objetos, bondage, sadomasoquismo, escatologia, anomalias, geriatria etc etc etc. Essa fragmentação do gênero nos diz muito. O que é bizarro? O que é normal? O que é soft e o que é hard? Por que recentemente o creampie (gozar dentro) aparece como fetiche digno de figurar enquanto gênero do pornô? E por aí se desfia o novelo. Mas preciso dizer que não sou um especialista nos estudos da cinematografia pornô. Olho para o pornô a fim de compreender o corpo. Da mesma forma, interessa-me observar os discursos médicos, da psicologia, da política, da literatura, da historiografia e assim por diante. O corpo se constitui na multiplicidade de saberes, e estudá-lo implica em se adotar perspectivas transdisciplinares. O filme “Oh Rebuceteio!”, dirigido por Cláudio Cunha, pode me trazer tantos elementos para estudar e compreender as práticas que disciplinam e constróem o corpo quanto o conto “Uma enteada da natureza”, de Gertrud Gross-Hering (1879-1968).
5) De que forma você descreveria a importância de se discutir, na Universidade, um tema como pornografia?
Penso que esta resposta já está respondida nas questões anteriores. Mas vale dizer que a Universidade não tem o direito de se omitir diante das manifestações sociais e culturais. Se eu estivesse discutindo um tema como religião, por exemplo, ninguém perguntaria qual a importância da Universidade discutir o assunto, mas ao se tratar de pornografia, mais especificamente de cinema pornográfico, então os tabus aparecem. A Universidade não pode aceitar estes preconceitos. E mais, afinal, houve tempos em que ler Voltaire era acessar uma obra pornográfica, não é mesmo?
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