sexta-feira, 19 de março de 2010

A II Conferência Nacional de Cultura – lá e cá.


A II Conferência Nacional de Cultura – lá e cá.

Márcio José Cubiak – Cientista Social e Mestrando em Desenvolvimento Regional pela FURB, produtor cultural independente e conselheiro municipal de cultura (Blumenau).

Indígenas de muitos troncos distintos e próximos, quilombolas do norte e do sul, mestres griôs de cultura popular, os ‘moderninhos’ do audiovisual, poetas declamadores de mundos simbólicos e cordel, as ‘mães e pais de santos’, gente do teatro, do circo, artesanato, produtores culturais independentes, ayahuasqueiros, LGBT ufa!! A II Conferência Nacional de Cultura, em Brasília, nos dias 11 a 14/03/2010, foi tão enérgica que não caberia burocratizar, em palavras todas as participações e contribuições desse universo distinto, diverso, porém ‘diálogante’. Como falar sobre a experiência de viver um rito de passagem?


Parte burocrática - O primeiro dia de Conferência foi marcado por reflexões e articulações conceituais sobre os cinco eixos que orientaram todas as conferências. Tentativa de intelectualizar e contextualizar as propostas sistematizadas para a Nacional. O segundo dia foi dedicado as mini-plenárias que tinham como objetivo, elencar 05 prioridades em cada sub-eixo. Um grande desafio - havia sub-eixo com mais de 60 propostas, o que exigia que 55 delas fossem ‘secundarizadas’. A plenária final, no terceiro dia, 14 de março, teve que priorizar apenas 02, dentre as cinco encaminhadas pelas mini-plenárias. Como foram dezesseis o número de sub-eixos, a priorização resultou em trinta e duas propostas..


Parte simbólica ou “sobre encontros e muitos encontros” – Havia o desencontro? Sim, como em toda ação humana pode e deve produzir. Mas por detrás disso, a vontade de falar. Microfones como rosas vermelhas. Quiseram alguns intelectuais, por muito tempo, gerar reflexão sobre identidade cultural a partir do ponto de vista norte-americano ou então, europeu. Apesar da globalização, e das tensas relações entre local/global, o Brasil não pode ser visto a partir de primas exteriores ao nosso contexto de fricção – dominação – subserviência – novidade e autonomia, próprio da América Latina. Não era nem identitária, como na Europa, nem trombativa, como as guerras culturais estadunidenses e suas performatividades baseadas em gênero, sexualidade, raça ou a dicotomia “progressista” X ”conservador”. Por aqui, as reivindicações culturais passam pelo rol dos direitos sociais, frutos de 500 anos de espoliações colonialistas ou, mais recentemente, neoliberais. Por aqui, tudo se relaciona com a necessidade de existir um Estado Mediador dos direitos e das políticas, que assuma sua responsabilidade histórica. No Brasil, a “cultura das ONGs” criou uma sociedade civil bastante diferente da européia e estadunidense (George Yúdice).


Na América Latina, a tentativa de impor autoritariamente a “Teoria da Modernização” (Talcott Parsons) gerou abismos silenciosos para a maioria, tratados como minorias. Nesse sentido, a II Conferência Nacional de Cultural articulou atores que trataram de “desilenciar” (Célio Turino) suas vozes e materialidade, através de conceitos importantes como autonomia e protagonismo.


Rol das Políticas e dos Direitos – Foi assim que os cinco eixos trabalharam arduamente, entre a tensão e o diálogo, visando incorporar contribuições de todos os lados, desde que articuladas no coletivo. Exercício democrático por excelência. Plano Nacional de Cultura, Plano Nacional de Banda Larga, PEC 150 e outros mecanismos de financiamento público, PEC 415 (Sistema Nacional de Cultura), Democratização dos Meios de Comunicação, Mídias, Minorias, Brasil Urbano/Brasil Rural, Desenvolvimento e Economia Criativa, Custo Amazônico, Museus e Educação Patrimonial: tantos temas quanto foi diversa as plenárias, com cores, trajes e sotaques.


Implicações no território local e regional - O estado de Santa Catarina participou com uma delegação aproximada de 45 pessoas, entre sociedade civil e delegados governamentais. Por aqui, os desafios são fedorentos: o governo estadual conseguiu estagnar a produção cultural, com seus mecanismos mentirosos e marketeiros de financiamento. Não é a toa que o governo foi condenado pelo Ministério Público diante da falta de critérios: havia e existem, ainda, projetos que levam de uma semana para até quase 800 dias para serem aprovados. Os que possuem velocidade de Schumacher, geralmente são os ‘amigos da nobreza’ e projetos importantes para o desenvolvimento cultural como encontro de motoqueiros e festas municipais disso-e-daquilo. Para piorar, a ‘desgestão’ Luis Henrique da Silveira-Gilmar Knaesel tem como prática o não-pagamento dos projetos aprovados, alegando falta de recursos – afinal os últimos dois anos foram marcados por cortes entre 60% e 70% dos recursos para o FUNCULTURAL. Piorando mais ainda um quadro ruim, fedorento, temos uma Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, cuja prioridade é turismo e esporte. O governo estadual não acata a decisão de várias plenárias para a criação da Secretaria Estadual de Cultura, como ordena o Sistema Nacional de Cultura. Para ser pessimista-suicida, ainda existem as Secretarias de Desenvolvimento Regional, instância que poderiam ser potencializadoras e articuladoras da criatividade inerente a humanidade, mas que terminaram sendo cabides de emprego e plataforma para direcionar recursos para o candidato X, Y, como no caso do Paulo França, aqui em Blumenau.


Se levarmos para o municipal, temos Marlene Schlindwein e suas desculpas e pedidos de paciência. João Paulo Kleinubing (JPK), o prefeito, não se importa com a existência de políticas públicas. A esfera governamental, para sua orientação ideológica, é balcão de negócios entre município e empresas. Por isso, é sintomática a decisão de empurrar para o outro a Escolinha de Artes Monteiro Lobato, com seus 36 anos de pedagogias, entre Fundação Cultural e Secretaria de Educação. “Cultura apenas como Custo”, pensam os cabeções-de-planilha do governo de JPK. “cultura apenas como evento”, pensa a Sra. Marlene Schlindwein. E a FURB, que busca ser Federal, ter esse status importante, mas desarticula seu Departamento de Promoções Culturais (DPC) e transforma o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau em projeto bianual? O Reitor ainda nos deve respostas sobre a rearticulação do DPC (já estamos, pelo menos, com o excelente trabalho de Melita Bona).


Neste sentido, local&global, os esforços podem ser orientados da seguinte maneira (sugestão): Conselho Municipal de Cultura deliberativo e paritário; Fundo Municipal de Cultura de acordo com a real demanda, aumentando os recursos; criação de Observatório de Políticas Culturais, articulando artistas, produtores culturais comunidade, Universidade e Instituto de Pesquisas, com caráter regional; o debate entre Universidade, Arte e Cultura; o papel da Secretaria Regional no fomento as artes e cultura; a organização de outros mecanismos de financiamento público, como os editais direcionados para áreas específicas; a construção do plano municipal de cultura articulado com o Sistema e o Plano Nacional de Cultura e, dar corpo e voz as minorias e ao contemporâneo (ouço que as manifestações folclóricas germânicas recebem mais de 1 milhão de reais em incentivo, entre Fundação, Prefeitura e Secretaria Regional de Blumenau), enquanto outras manifestações, juntas, recebem menos de R$300 mil.


No mais, obrigado a todos que acreditaram. Sou pura empolgação. Articulemo-nos!

Um comentário:

Ali Assumpção disse...

ótimo relato, ótimo paralelo...e vamos lá com essas propostas!!
gracias marcito!!