domingo, 17 de maio de 2009

Moralização do espaço urbano?



Por Ricardo Machado*

Um fenômeno da modernidade foi a expansão crescente da vida urbana. Desde o século XIX, este movimento tem sido quase ininterrupto em todas as partes do mundo. No entanto, a cidade moderna caracterizava-se pela intensidade da vida pública. A rua era o espaço de múltiplas sociabilidades no mundo do trabalho, do lazer e das relações políticas. As vivências múltiplas e contato com a diversidade da rua moderna foram construídas em oposição do contato com seus iguais na vida privada. Nas cidades modernas a rua era um espaço fundamental de construção da cidadania, pois era na rua que se tomava contato com as diferenças e eram ali que estavam evidenciados os conflitos econômicos e de valores estéticos.
No entanto, nas últimas décadas vivemos um momento de ruptura em relação ao conceito de vida urbana. Cada vez mais vivenciamos uma privatização do espaço público e a busca de relações essencialmente mediadas pelo domínio privado. Por isso, observamos o esvaziamento do público na medida em que se valorizam vivências em centros comerciais fechados (chamados de Shoppings), pelo automóvel, pelos condomínios fechados, pelos clubes recreativos etc. As ruas perderam sua ênfase na relação, para valorizar somente a mobilidade no espaço. Assim, a cidade deixou de ser uma experiência pública e de contato com a diferença para ser segregacionista, tornando a população ainda mais dividida socialmente e simbolicamente. Com isto cria-se um ser humano pautado em uma subjetividade cada vez mais centrada em si mesmo, com medo da diferença, e consequentemente, medo da vida pública. É este medo que tem feito pedir cada vez mais controle, repressão e vigília sobre a já restrita vida pública que ainda temos em nossas cidades.
Este movimento pode ser claramente observado nos temas debatidos pelo poder legislativo blumenauense sobre as formas de uso do espaço público. Este processo de moralização da vida urbana, que divide a sociedade entre pessoas de “bem” e de “mau”, que fala do retorno da família às ruas, não permitirá o aumento da vida urbana, mas ao contrário, criará uma relação ainda mais discriminatória, segregacionista, e consequentemente, ainda mais doentia.
É preciso voltar às ruas, para que possamos fazer um uso público do espaço público. Mas estou certo que não precisamos de mais medidas controladoras e repressoras sobre as formas de uso do espaço. Ao invés disso, precisamos ocupar estes espaços, reconhecendo que os diferentes grupos fazem apropriações distintas do conceito de urbanidade.
Desconfiemos deste “homem de bem”, pois se trata da forma mais cínica de trazer à público os preconceitos de classe e estéticos. É para ele que construímos os pilares da cultura do medo e do enclausuramento.

4 comentários:

fabricio disse...

Rem Koolhaas: “In theory, each megastructure would spawn its own sub-systems, and therefore create a universe of rampant cohesion. In Junkspace, the tables are turned: it is subsystems only, without superstructure, orphaned particles in search of framework or pattern. [–––] Each element performs its task in negotiated isolation. Where once detailing suggested the coming together, possibly forever, of disparate materials, it is now a transient coupling, waiting to be undone, unscrewed, a temporary embrace with a high probability of separation [...]”

Rem Koolhaas, "Junkspace"

http://www.btgjapan.org/catalysts/rem.html

Adriano disse...

o projeto de lei daquele veraneador que quer proibir o uso de bebidas nas praças... que bela arma está criando! pra poder criminalizar e varrer um público alvo que com certeza não é o mesmo que vai fazer o seu "happy hour" nas praças nóiamarket...

Leo Laps disse...

sempre que este assunto vem à tona, lembro de um urbanista dos nossos países vizinhos que disse algo assim: quanto mais espaço para carros, menos democrática é uma cidade.
que nossas praças estão ocupadas por, vá lá, "desocupados", isso é verdade. mas isto é só mais uma forma de poder reprimir o já oprimido, o sujeito que não conseguiu, por quaisquer motivos, o mínimo do que a sociedade considera para ser chamado de "de bem". assim, os indigentes viram apenas um problema estético.

Marcio Cubiak disse...

Oi Ricardo.

Temos que nos preocupar com essa paranóia política de querer agradar a moral.
A política anda tão mal conceituada que estamos vivendo um retorno do velho moralismo, apoiado pela mídia e pelos de "bem".
Sinto que estamos permitindo que as melhores idéias da modernidade sejam abandonadas.
Em breve, estaremos sob a dinastia divina dos homens de bem, como esse Fábio Fiedler, servindo nas fábricas e adorando a Glória Perez e seus folhetins noturnos.

Márcio Cubiak