segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sobre telhados que caem

Sobre telhados que caem
Viegas Fernandes da Costa

“Grande é a cidade quando os arrebaldes do seu espírito vão além dos cumes e dos mares, e quando, pronunciando seu nome, há de se iluminar para a posteridade toda uma jornada da história humana. A cidade é forte e bela quando seus dias não se reduzem à invariável repetição de um mesmo eco.” Retiro a citação do livro “Ariel”, escrito pelo uruguaio José Enrique Rodó em 1900, e apesar dos anos que nos separam do texto, não vejo nada mais oportuno para a Blumenau dos nossos tempos. Rodó escreve ainda que “apenas a extensão e a grandeza material da cidade não podem dar a medida para calcular a intensidade de sua civilização”, e que “soberbas aglomerações de casas são para o pensamento um canal mais inadequado do que a absoluta solidão do deserto, quando não é o pensamento o senhor que as domina”.
Lembrei-me de Rodó porque me ocorreu que não é de shoppings, supermercados e canteiros floridos que se mede a grandeza e a força de uma aldeia e seu povo. Entretanto, e a despeito de toda a tragédia vivenciada em 2008, continuamos pensando como aqueles primeiros imigrantes, cuja miséria expulsou da Europa e empurrou para as margens do Vale do Itajaí. Ainda cremos que precisamos e podemos domar a natureza, que progredimos quando içamos chaminés e expandimos nossa malha urbana, e que só seremos respeitados na medida em que nossa população superar a das demais aldeias do nosso Estado. Queremos ser uma metrópole, mas sequer conseguimos evitar que os telhados da nossa cultura viessem ao chão, assim como não evitamos, em novembro de 1958, que parte da nossa memória se incendiasse.
Se em 2009 tivemos a ausência do Festival Universitário de Teatro, a suspensão do Salão Elke Hering, a interdição do Parque das Nascentes e a degradação do Museu Fritz Müller, o ano cultural em 2010 começou com a queda do telhado da Fundação Cultural e com a nossa Universidade impossibilitada de contratar professores em caráter efetivo. Preocupamo-nos em ampliar nossa visibilidade material, mas enterramos aquilo que nos poderia tornar perenes.
O que Rodó nos ensina é que os pilares da permanência de Atenas não estão nas pedras que edificaram a Acrópole, mas nos bens culturais que daquele solo se projetaram ao mundo. Assim, Blumenau só encontrará seu desenvolvimento sustentável na medida em que investir na constituição e preservação de bens culturais. Preferimos, entretanto, a barbárie.

*Artigo publicado no Jornal de Santa Catarina, 01/02/2010, p. 2.

4 comentários:

Ali Assumpção disse...

muito pertinente, viegas!!

Daiana disse...

Muito bom o texto.Só faltou citar o fechamento do Casarão das Oficinas.

viegas disse...

É verdade Daiana, e haveria outras coisas mais a citar como, por exemplo, a falta de investimentos na ampliação do acervo da Biblioteca Fritz Müller, a falta de incentivos ao Fórum Brasileiro de Literatura, a desativação da Biblioteca Comunitária da Vila União etc. Infelizmente, o espaço sempre é curto. Mas tens razão. Dada a importância do Casarão, devia tê-lo citado.
Abraço fraterno,
Viegas

Agente do caos disse...

Concordo em gênero numero e grau...
E pelo depoimento da Marlene Titanic
eles sabiam da iminência da queda do telhado pois..."estavamos programados pra mexer no telhado em 2011..."(inverso de Rodó)
Nossa cidade se desmancha...literalmente,o capim toma conta...maquiagem meia boca!
Nossa Universidade...não!não é minha Universidade...não se porta como tal... nem nossa nem minha!
Sua Universidade se porta como um senhorio ganancioso e vil!