domingo, 7 de junho de 2009

Enquanto isso em Dom Casmurro

Enquanto isso em Dom Casmurro


Viegas Fernandes da Costa*


Antes mesmo de lançar Enquanto isso em Dom Casmurro, em 1993, José Endoença Martins já suscitara polêmicas com o conteúdo e a forma dos seus versos, inauguradores daquilo que mais tarde chamaria de Poema Minuto. O negro, a mulher, o sexo, a vida e seu simulacro explodiam em seu texto, que tinham em Blumenau seu cenário e suporte. Não foi diferente com este seu romance, que tem sua 2ª edição lançada agora pela Edifurb.
Em Enquanto Isso em Dom Casmurro a linguagem, e tão somente ela, torna possível aproximar 1899, ano em que Machado de Assis dá à luz Capitu e Bentinho, e 1993, ano em que Martins imprime seu sopro a Capitu, e esta se liberta do realismo de “Dom Casmurro” para encontrar o pós-modernismo neste livro ambientado em uma Blumenau preconceituosa e hipócrita que vive a crise do setor têxtil, no início da década de 1990. Uma Capitu kitsch, amoral, bissexual, sadomasoquista, negra e drogada que se move pela linguagem e pelo desejo e que escolhe esta cidade do Vale do Itajaí para viver esta sua nova vida fantasiada de cantora sertaneja.
Provocador e experimental, Enquanto Isso em Dom Casmurro, no tempo do seu primeiro lançamento, dividiu águas na literatura produzida no interior de Santa Catarina, e reaparece agora ainda mais atual, problematizando esta nossa sociedade do pastiche, das aparências, onde tudo pode ser valorado pela plástica e pela capacidade de se tornar mercadoria, inclusive a própria Capitu, que paga com seu corpo o cachorro quente vendido na esquina.
Neste romance José Endoença Martins questiona os fundamentos identitários blumenauenses, cidade onde nasceu o autor, sempre tão prussiana com seu discurso higiênico de ordem e trabalho. Aqui temos uma Blumenau que já foi negra, que já foi italiana, que já foi até mesmo alemã, para hoje ser qualquer outra coisa indefinida, uma terra onde as “enchentes anuais perderam leveza e novidade” para “ganhar angústia”, uma cidade cheia de ruídos, mas sem som próprio.
Enquanto Isso em Dom Casmurro constitui-se como um romance rico em intertextualidades, que flerta com a história e com nossa sociedade pós-industrial, que discute as relações interétnicas e, acima de tudo, que mostra que na ficção tudo é possível, desde que haja desejo.

*Viegas Fernandes da Costa é historiador e escritor, autor de "Sob a luz do farol" (2005) e "De espantalhos e pedras também se faz um poema" (2008) e editor do site Sarau Eletrônico.

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