TCE investiga reforma de R$ 800 mil no auditório da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte
Relatório aponta indícios de superfaturamento em obras, sem licitação, na sede da secretaria
Uma cortina instalada no auditório da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte do Estado chamou a atenção de auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Na cor salmão e em tecido liso, ela compõe o ambiente com móveis do auditório reformado após incêndio em 31 de dezembro de 2007.
Mas não foi a harmonia na decoração que impressionou os auditores, e sim o preço da cortina. Comprada sem licitação, conforme apurou auditoria, ela custou R$ 25 mil, quando poderia ser encontrada por R$ 3 mil nas lojas do ramo. Um preço 755% acima do mercado.
"Considerando o valor de R$ 89 o metro quadrado, foi realizada uma pesquisa em lojas que comercializam o mesmo tecido, e o preço encontrado variou entre R$ 4,93 e R$ 7,53", escreveram os auditores.
Eles também não encontraram o blecaute importado nem a sanefa (faixa de pano que decora a parte superior dos cortinados), que compõem o preço total.
O relatório da auditoria foi concluído em agosto do ano passado, e não ficou só na reforma. Investigou as contas de 2007 e parte das de 2008 na secretaria. Há um ano, o documento está na procuradoria do Ministério Público no TCE.
Análise de outros itens comprados
Além da cortina, outros itens comprados após o incêndio de 2007, que atingiu parte do prédio da secretaria, foram analisados. Um projetor multimídia com telão, que também está no auditório, foi adquirido por R$ 20,2 mil. O mesmo modelo custa, em média, R$ 3,9 mil em lojas especializadas, segundo os técnicos do TCE. A Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte pagou 418% acima do valor de mercado. O custo total da reforma chegou a R$ 800 mil, pagos à empresa Kerberos. Sem licitação.
Em apenas três itens (cortinas e dois projetores), a secretaria pagou R$ 50,3 mil, quando poderia ter pago R$ 7,6 mil, segundo o relatório. Uma diferença de 560%.
Os "indícios de superfaturamento" na reforma ocupam parte do relatório, a que o DC teve acesso, e que tem 202 páginas. O documento aponta ainda "indícios de irregularidades na gestão da publicidade, pagamentos indevidos a empresa terceirizada, fragilidades na prestação de contas, receitas contabilizadas de forma irregular e deficiências no controle de ponto de funcionários terceirizados".
Os técnicos recomendaram que o secretário Gilmar Knaesel explique gastos de R$ 2,5 milhões dos cofres públicos. E indicam que o TCE deve investigar melhor a reforma, que custou R$ 800 mil. Total de gastos sob suspeita: R$ 3,3 milhões.
Empresário confirma maior valor em notas
O empresário Clóvis Margreiter, dono da então Kerberos Inovações Empresariais, responsável pela reforma na Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte não se surpreendeu com o resultado da auditoria do Tribunal de Contas.
Ele confirma que as notas foram superfaturadas. E conta o motivo: como a obra toda foi bem além do que estava no orçamento original, precisou "engordar" o valor das notas para receber por tudo o que fez.
Pelo projeto inicial, a empresa de Margreiter teria que reformar a sala da secretaria onde o fogo começou, restaurar corredores, trocar divisórias e lavar e recuperar paredes.
Tudo isso foi feito ao custo de R$ 300 mil, quando o orçamento inicial apresentado era de R$ 600 mil.
— Falei com o secretário, e ele me disse para ver o que mais podia ser feito. Reformamos toda a sala dele, o auditório, os banheiros, trocamos todo o forro, o assoalho, botamos vidros novos, fizemos o jardim interno. Praticamente recuperamos toda a secretaria. Para toda a reforma, a Kerberos precisou de mais R$ 200 mil, além dos R$ 600 mil. A diferença de R$ 500 mil entre os R$ 300 mil gastos na reforma original e os R$ 800 mil repassados à empresa por todo o trabalho foi"injetada"em notas superfaturadas — reconhece o empresário.
Empresa mudou de ramo e de endereço após a obra
Margreiter confirmou que não poderia declarar tudo o que fez porque a maioria das melhorias no prédio foi executada fora do orçamento.
— Essa reforma hoje não sairia por menos de R$ 1,5 milhão, mas nós conseguimos fazer por R$ 800 mil. Tem que ver a grandeza de trabalho que nós fizemos — diz, com orgulhoso, o empresário.
Depois de concluída a reforma no auditório da secretaria, Clóvis Margreiter desfez a empresa. Demitiu 36 funcionários e passou a atuar com informática e vigilância. Mudou o local de trabalho, trocou telefones e hoje atende em uma pequena sala do Centro Comercial Ceisa Center, em Florianópolis.
O que diz o secretário
O secretário Gilmar Knaesel (PSDB) se diz tranquilo em relação aos apontamentos feitos pela auditoria do Tribunal de Contas. Em 36 minutos de entrevista concedida em seu gabinete, no bairro Itacorubi, no início de novembro, quando o DC apurava os dados para esta reportagem, ele viu "divergências burocráticas", em que o Tribunal possui entendimento diferente do dos técnicos da área administrativa do governo do Estado.
O secretário assegurou que desconhece os indícios de superfaturamento na reforma do prédio e garantiu que as melhorias foram feitas por causa da intensidade do incêndio de 2007. No Boletim de Ocorrência número 10409 consta "perda mobiliária quase total e de cerca de 20% da estrutura física do prédio".
Durante a entrevista, Knaesel garantiu que a reforma foi feita com licitação e prometeu que todos os documentos seriam fornecidos no dia seguinte. Dois dias depois, a assessoria do secretário admitiu ao Diário Catarinenseque não houve licitação.
Por telefone, em 17 de novembro, o consultor jurídico da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte Jacques de Andrade e Silva, afirmou que a contratação direta teve amparo legal porque foi "uma situação emergencial".
Disse que o custo foi de R$ 599 mil, mais um aditivo de "R$ 200 e poucos mil" para a realização de obras e serviços.
Um comentário:
ora, a cortina é cara porque é especial: impede a visibilidade de tudo (ou do nada) que acontece lá dentro...
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