“A hierarquia não é somente piramidial: o escritório do chefe está tanto no fundo do corredor quanto no alto da torre”. (Deleuze).
Sei de onde você escreve e porque escreve. Em grande parte seus novos argumentos já são velhos. Nem por isso desconsidero-os. É justamente por sua relevância que resolvi escrever este breve texto buscando estabelecer algum diálogo. Afinal, aquilo que para você se apresenta como uma linha de fuga pode funcionar justamente como uma linha de captura.
Já faz muito tempo que não é mais possível compreender o Estado da mesma forma que os teóricos da ciência política moderna o consideravam: de um lado sua imagem libertadora e redentora de todas as necessidades humanas, e de outro, um enorme monstro repressor que através de seus aparelhos ideológicos suprimem as possibilidades de emancipação humana. Os movimentos juvenis de 1968 nos ensinaram que o problema da política não está mais nas estruturas, mas está nos desejos, nos fluxos, nos afetos e nas possibilidades de criação. Ao invés de ter no Estado o elemento central de problematização, passou-se a refletir sobre as relações de poder que produzem formas de linguagem, subjetivação, resistência e saberes. Para além do caráter repressivo do poder, buscou-se seu elemento produtor da história e de relações em sociedade, ampliando de forma significativa a concepção de política que não poderia mais estar restrita nas formas de representação burocrática estatal. Mas como fica o Estado em meio a isto tudo? Ora, o Estado é mais um destes lugares onde se materializam estas relações de poder e investem de forma privilegiada na sociedade através de um conjunto de instituições que foram constituídas nos últimos 200 anos.
Há uma novidade nisto tudo que você percebeu em seu artigo. Durante muito tempo as artes e ciências estiveram ligadas a financiamentos privados. Isto fazia com que o artista tivesse que estar submetido diretamente ao gosto de quem assumia o papel de mecenas no processo de criação. Evidentemente, que ao longo da história da arte podemos indicar inúmeras subversões desta regra, mas de uma maneira geral o mercado sujeitava a arte (fazendo uso da expressão do título de seu artigo). Foi somente nas últimas décadas que o conceito de “cultura” foi incorporado na linguagem estatal: basta lembrar que o Minc foi criado somente em 1985 e até hoje passa por um processo de estruturação governamental. Novamente, para além do Estado, foi neste mesmo período vivemos processos de monumentalização da cultura em nossas sociedades, construídos discursivamente e politicamente através da disneyficação das cidades, folclorização, espetacularização da vida cotidiana. Este processo investe de maneira significativa em nossa subjetividade e restringe outras possibilidades de criação artística e intelectual que colocam em questão as próprias relações de poder. Sim, no capitalismo, cultura tornou-se mais uma mercadoria – mas seu significado está em disputa. Por isso, não podemos mais conceber a arte de forma essencialista e romântica que desconsidere as políticas de Estado e do próprio mercado. Mesmo que de forma crítica, nossas ações precisam se dar a partir das potencialidades apresentadas pelo mundo contemporâneo.
Desta forma, as reivindicações de políticas públicas vão muito além do financiamento do fazer artístico, mas concentram-se na criação de políticas de fomento e fruição para a sociedade em geral. O velho “faça você mesmo” que pode ter sido sinônimo de liberdade em algum momento, hoje se apresenta justamente como a forma de restringir outras possibilidades de existência para as pessoas. Por que um jovem não pode ter um horizonte maior do que um balcão de uma loja no shopping ou uma máquina de costura em uma facção?
Abraços
Ricardo Machado, historiador
ver: http://www.clicrbs.com.br/jsc/sc/impressa/4,182,3413311,17609
Um comentário:
Essa é minha contribuição ao debate.
http://respublicacultural.blogspot.com/2011/07/politicas-culturais-como-arado-de-virar.html
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