Blumenau, município catarinense localizado no chamado “Vale Europeu” acumula alguns anos seguidos de descaso e miopia em se tratando de políticas culturais (o que é uma política cultural?). Essa situação é pano de fundo de uma batalha entre o campo artístico e cultural do município contra a surdez e mudez do prefeito Kleinübing (DEMo ou ex-DEMo, dá no mesmo)
Mas um fato precisar destacado: essa tensão cultural acompanha o desenvolvimento da Colônia, em 1850, até os dias de hoje, em que realizamos conferências de cultura anualmente, fruto de uma política cultural que perdura há mais de 160 anos. O peso da elite local, imigrantes alemães ou os chamados “teuto-brasileiros” a constituição da memória simbólica coletiva é enorme, com investimentos sistemáticos em toda a estrutura política do município, entre 1850-1940, em torno do nacionalismo alemão tipicamente século XIX, criando seus mitos através da desvalorização do Outro, como no caso dos açorianos, tidos como “preguiçosos e não feitos ao trabalho” (SEYFERTH, 1981; FERREIRA, 2000; FROTSCHER, 2007). O período pós 1945, quando termina o Governo Vargas e a política de nacionalização tem seu abrandamento, a elite local buscou ressignificar o discurso cultural dos anos anteriores na condição, agora, de mercadoria. Nos anos 1960 são acionados os primeiros esforços na consolidação de uma estrutura turística, na construção de uma cidade-imagem turística. Os anos 1980, marcados por duas grandes enchentes, é catártico, momento do “renascimento alemão”, amplificando mitos, promovendo festas e exclusões.
A história local, portanto, ainda é marcada pela monocultura, numa simplificação e reinvenção da tradição que, diante de crises estruturais do município (urbanística, ambiental, modelo de desenvolvimento), se apega a memória do passado e a sua venda como souvenir. Quando se fala de Blumenau, são esses valores cultivados pela elite que “aparecem”, emergindo uma cidade distorcida. O fato é que a produção cultural local é, em sua maioria, menosprezada pelo poder público, pela publicidade do município, pois a cidade-imagem só amplifica o seu “quadrilátero fotogênico” (FLORES, 1997). A grande produção cultural de Blumenau está caoticamente territorializada nos bairros afastados do centro, na “margem” simbólica da exclusão. Olhos azuis e loiros cabelos vendem toalhas e cervejas.
Os bairros blumenauenses possuem sociabilidades específicas, mas também, características da tal periferia. Nela, invisíveis, encontram-se pessoas, muitas delas nascidas em Blumenau, outras vindas de municípios e estados diferentes. São comunidades que possuem dinâmicas próprias e que articulam inúmeras referências culturais: urbana, rural, da cidade natal e da nova cidade. O resultado é uma identidade cultural gerada a partir da tensão entre universos simbólicos de diferentes espacialidades e territorialidades. Essa multiterritorialidade (ver HAESBAERT, 2006), no entanto, não é abstrata: essas comunidades são, concretamente, espaços da desigualdade, da ausência dos serviços públicos de qualidade, o espaço da ocupação ilegal.
A política cultural, portanto, praticada pelo poder público, com aval de segmentos da elite local, está centrada na atualização constante desse mito civilizatório, presente no nacionalismo do século XIX e na Colônia de Blumenau, também. O que quero dizer é que Blumenau tem sim uma política cultural, alimentada por são reminiscências de cunho étnico com os princípios da democratização cultural com a quase totalidade dos esforços centrados nas artes eruditas. O governo municipal e seu equipamento de cultura, neste sentido, seguem na contramão do debate nacional e internacional.
As tensões culturais, geradas pela invisibilidade cultural promovida pela elite local com o apoio e financiamento do governo municipal, ainda podem ser mensuradas atuando fortemente no território chamado Blumenau. Nos últimos anos, alguns segmentos da sociedade e do campo cultural blumenauense resolveram encampar a idéia de políticas públicas de cultura, de aprimoramento institucional dos equipamentos e da gestão cultural, mas, acima de tudo, de denunciar a monocultura financiada pelo governo municipal. Houve, por exemplo, cinco edições da conferência municipal de cultura, que se tornou a principal arena da apresentação de demandas do segmento para a criação do seu Plano Municipal de Cultura. Mas a ‘boniteza’ acaba por aqui: todas as propostas sugeridas pelas cinco plenárias finais das conferências de cultura e que se tornaram documentos orientativos ao governo, foram ignorados. Isto é, a efetividade da conferência, em avanços institucionais por parte do governo, é nula!
No último mês, veio a tona algumas situações crônicas que demonstram o esvaziamento do papel da Fundação Cultural de Blumenau, bem como da incompetência de seus gestores. Contramão total da história, a atuação do governo municipal de Blumenau ficou insustentável: não há mais clima para a permanência da atual presidente da fundação.
Além disso, o governo municipal, em 2009[4], diminui sensivelmente o número de trabalhadores internos da Fundação, especialmente os comissionados. Nada mesmo que 11 pessoas deixaram de exercer funções de gestão. Num país como o Brasil, em que comissionado é moeda de troca, poderia ser uma boa notícia. Mas sem comissionados e basicamente sem funcionários de carreira, a estrutura praticamente parou diante da demanda, sem dar conta do recado.
Romper com a idéia da monocultura “teuto-brasileira” sem negá-la, juntamente com uma política cultural baseada no pressuposto da “cidadania cultural”, é apostar na abertura simbólica de Blumenau para a diversidade de suas expressões, acionando um extenso campo de possibilidades concretas para seu futuro, através do tripé “sustentabilidade-criatividade-cidadania”.
Referências Bibliográficas
FERREIRA, Cristina. Identidade e cidadania na comunidade Teuto-brasileira no Vale do Itajaí. In: FERREIRA, Cristina. FROTSCHER. Méri (org.). Visões do Vale: perspectivas historiograficas recentes. Blumenau: Nova Letra, 2000, p.71-90.
FLORES, Maria Bernadete Ramos; WOLFF, Cristina Scheibe. Oktoberfest: turismo, festa e cultura na estação do chopp. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1997. 188p, il.
FROTSCHER, Identidades móveis: práticas e discursos das elites de Blumenau (1929-1950) /Méri Frotscher. -Blumenau: Edifurb : 2007, 240 p
HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização: do ‘fim dos territórios à multiterritorialidade. 2ª edição. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil. 2006.
SAYFERTH, Giralda. Nacionalismo e identidade étnica: a ideologia germanista e o grupo étnico teuto-brasileiro numa comunidade do Vale do Itajaí. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1981, 240p.
Para a Organização das Nações Unidas, Política Cultural diz respeito àquelas políticas relacionadas com a cultura, seja em nível local, regional, nacional e internacional, que são, ou focadas na cultura como tal, ou designadas para ter um efeito direto em manifestações culturais de indivíduos, comunidades e sociedades, incluindo a criação, produção, disseminação, distribuição e acesso as atividades, bens e serviços culturais. Para o MICHEL DE CERTEAU, “a política cultural lida com o campo de possibilidades estratégicas; ela específica objetivos mediante a análise das situações e insere alguns lugares cujos critérios sejam definíveis, onde intervenções possam efetivamente corrigir ou modificar os processo em curso (1995, p.193)”. Para CANCLINI “Los estudios recientes tienden a incluir bajo este concepto al conjunto de intervenciones realizadas por el estado, las instituciones civiles y los grupos comunitarios organizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la población y obtener consenso para un tipo de orden o transformación social. Pero esta manera de caracterizar el ámbito de las políticas culturales necesita ser ampliada teniendo en cuenta el carácter transnacional de los procesos simbólicos y materiales en la actualidad ( 2005, p.78). Para BARBALHO, “programa de intervenções realizadas pelo Estado, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas”(2005, p.37).
A Lei Complementar N° 704, de 29 de janeiro de 2009, altera a estrutura organização da Fundação Cultural de Blumenau estabelecida na Lei complementar N° 400, de 06 de maio de 2003