quarta-feira, 26 de maio de 2010

Cultura e os enlaces contemporâneos

A esfera da cultura é do domínio dos símbolos e a noção de desenvolvimento pertence ao domínio da racionalidade. Enquanto a primeira é constitutiva da sociedade, a segunda é datada historicamente, sendo intrínsecas as sociedades modernas e suas dinâmicas internas e relações com o mundo. O vinculo entre Cultura e Desenvolvimento é decisivo, na medida em que o segundo é influenciado pelo primeiro e vice-versa, gerando a diversidade cultural e as várias interpretações sobre o desenvolvimento (ORTIZ, 2008).
Na contemporaneidade, a Cultura assume lugar central nas discussões acerca do Desenvolvimento. Se em função do processo de acumulação a Cultura foi se desvencilhando da Religião até a constituição de um “campo cultural” próprio nas dinâmicas da modernidade, atualmente ocorre um fenômeno chamado de “transbordamento da cultura” para outros campos do conhecimento que refletem sobre o desenvolvimento como a Economia, a Ciência e Tecnologia, a Política, etc.

cultura e os enlaces contemporâneos
Neste sentido, as discussões em torno da Cultura mobilizam duas premissas ou porque não, promessas: de um lado, estudiosos apontam para o deslocamento da centralidade do geopolítico e geoeconômico para o foco geocultural. Da mesma maneira, conforme Samuel Huntington, a crescente importância da Cultura nas relações cotidianas e internacionais levará ao “choque de civilizações”. A idéia desse conflito surge nos anos 1970, sendo logo deixada de lado. Ainda assim, com os ataques terroristas aos EUA em 11 de setembro de 2001, esta abordagem é recolocada em cena. Porém, comungo da idéia de que o choque entre diferentes sociedades é fruta da desigualdade de acesso aos bens e serviços públicos e não das diferenças culturais.
Diante disso, encaro a “transbordamento da cultura” como o diálogo transdisciplinar no qual a Cultura passa a ocupar centralidade para além das fronteiras do seu “campo”, estabelecendo enlaces e constituindo conjunções (LOIOLA&MIGUEZ, 2007).
Podemos apontar alguns enlaces principais:
a) Politização da Cultura: disputas em torno de visões de mundo e pela hegemonia e direção intelectual e moral de uma sociedade.
b) Culturalização da Política: os candidatos a cargos executivos de todas as três esferas governamentais estão sendo obrigados pelos seus eleitores a tocar em assuntos culturalmente relevantes para suas sociedades, aborto, união civil de pessoas do mesmo sexo, descriminalização e legalização das drogas e uso de símbolos religiosos em repartições públicas, por exemplo;
c) Tecnologização da Cultura: a cultura transborda também para as tecnologias contemporâneas, através da reprodução técnica de textos/imagens/sons como o cinema e a fotografia; ou pelo surgimento do ciberespaço e, ainda, pela produção de bens simbólicos em torno da Indústria Cultural;
d)    Reterritorialização da Cultura; pode-se constatar o conceito de cultura na criação de espaços macro-regionais, como a Organização dos Estados Latino Americanos – OEA. Outro fator importante para a ampliação da importância conceitual da cultura no Território são os fluxos migratórios, geradores de hibridização de estilos de vida e de formas sociais.
e)   Cultura e Economia: neste caso podemos apontar a convergência entre ambas através da Economia da Cultura ou Economia Criativa, cada vez mais presentes nas estratégias de desenvolvimento e que abrange a produção, a circulação e o consumo de bens simbólico-culturais.
f)  Culturalização da Mercadoria: o crescente papel dos elementos simbólicos na determinação do valor da mercadoria.
O que considero como Cultura? Existe uma polissemia de significados em torno do conceito de cultura e essa a multiplicidade das definições acompanha a diversidade de interesses institucionais. Se o assunto for tratado por um antropólogo, estaremos diante de explicações que levam em conta aspectos simbólicos dos universos sociais. Porém existem consensos, necessária para a operacionalização do conceito e a aplicação em pesquisas e políticas públicas.

Podemos indicar:


a)  Recusa do Determinismo Biológico;
b)  Recusa do Determinismo Geográfico;
c) Cultura é uma construção histórica a partir da existência de relações entre os grupos humanos, sendo apreendida socialmente, carregando significados, convenções, mentefatos e artefatos que tornam inteligível a vida em grupo;
d)   A percepção de que a Cultura tem natureza dinâmica, mutável e plural e;
e) A pluralidade e a diversidade cultural não se compadecem de lógicas hierarquizantes, sendo esses resultados do etnocentrismo (não há cultura melhor ou pior).
Neste sentido, este artigo trilha a opção apresentada pela professora Isaura Botelho, que aponta para duas dimensões da cultura, igualmente importantes, e fundamentais para uma delimitação de estratégias de desenvolvimento com sustentabilidade: uma mais abrangente de cunho antropológico,
Na dimensão antropológica, a cultura se produz através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e estabelecem suas rotinas. Desta forma, cada indivíduo ergue à sua volta, e em função de determinações de tipo diverso, pequenos mundos de sentido que lhe permitem uma relativa estabilidade. (...) Aqui se fala de hábitos e costumes arraigados, pequenos mundos que envolvem as relações familiares, as relações de vizinhança e a sociabilidade num sentido amplo, a organização dos diversos espaços por onde se circula habitualmente habitualmente, o trabalho, o uso do tempo livre, etc. Dito de outra forma, a cultura é tudo que o ser humano elabora e produz, simbólica e materialmente falando. (...)
E uma mais restrita, de campo cultural num âmbito mais especializado (BOTELHO, 2001).
A dimensão sociológica não se constitui no plano do cotidiano do indivíduo, mas sim em âmbito especializado: é uma produção elaborada com a intenção explícita de construir determinados sentidos e de alcançar algum tipo de público, através de meios específicos de expressão. Para que essa intenção se realize, ela depende de um conjunto de fatores que propiciem, ao indivíduo, condições de desenvolvimento e de aperfeiçoamento de seus talentos, da mesma forma que depende de canais que lhe permitam expressá-los. Em outras palavras, a dimensão sociológica da cultura refere-se a um conjunto diversificado de demandas profissionais, institucionais, políticas e econômicas, tendo, portanto, visibilidade em si própria. Ela compõe um universo que gere (ou interfere em) um circuito organizacional, cuja complexidade faz dela, geralmente, o foco de atenção das políticas culturais, deixando o plano antropológico relegado simplesmente ao discurso (BOTELHO, 2001, p.74)
Desta forma, a noção de cultura é, atualmente, fundamental para se refletir e entender as dinâmicas socioeconômicas dos territórios, para a elaboração de estratégias de preservação de comunidades tradicionais, para a redefinição dos padrões de produção e consumo nas sociedades, enfim, para a refundação do conceito de Desenvolvimento num sentido multidimensional, baseado no manejo com sustentabilidade dos recursos naturais e humanos.
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ORTIZ, Renato. Cultura e Desenvolvimento. In.: Políticas Culturais em Revista, 1(1), p. 122-128, 2008 – www.politicasculturaisemrevista.ufba.br.
BOTELHO, Isaura. "Dimensões da cultura e políticas públicas", In São Paulo em Perspectiva 15(2, São Paulo: 2001,pp73-83.
LOIOLA, Elizabeth ; MIGUEZ, Paulo . Sobre cultura e desenvolvimento. In: III ENECULT Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 2007, Salvador. (acesso: 16/04/2010, 22h44m -http://www.cult.ufba.br/enecult2007/ElizabethLoiola_PauloMiguez.pdf)

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Márcio José Cubiak - 47 8835 7202
Cientista Social e Produtor Cultural.
Mestrando em Desenvolvimento Regional.
Conselheiro Municipal de Cultura - Blumenau

http://respublicacultural.wordpress.com/
MSN - mjcubiak@msn.com
TUIT -@marciojcubiak

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