domingo, 26 de outubro de 2008

Sobre museus, história e professores


Um dos maiores desafios dos professores de história no momento em que planejam suas aulas e organizam suas práticas pedagógicas está nos possíveis usos que estes podem fazer dos museus. Não há professor de história que, em sua carreira, não tenha programado aquela “visita” a um museu de sua cidade, ou, na falta deste, ao museu de uma cidade vizinha. Os professores de história de modo geral gostam destes espaços, nem que seja somente para dar uma “variada” em suas práticas pedagógicas. No entanto, para a maioria dos alunos a melhor parte da “visita” aos museus está no “passeio”, já que para estes o museu é lugar de coisa velha. E coisa velha não serve para nada, principalmente para uma geração acostumada as constantes mutações em torno das coisas novas que a tecnologia e o mercado lhes proporcionam.
Verdade é que o desinteresse dos alunos por estes redutos consagrados da história incomoda e muito aos professores de história. E ai surgem os desafios: Como usar estes espaços no cotidiano das aulas? Como tirar da cabeça dos alunos a idéia de que museu é “lugar de coisa velha que não serve para nada”?
A resposta, para estas perguntas, poderia ser a de sempre: o problema não são os museus, mas sim alunos, desmotivados, desinteressados, destrambelhados etc. Porém, o debate pode ser mais aprofundado se discutirmos as interpretações e as perspectivas de história que os profissionais têm em relação aos museus. Neste sentido, outras perguntas poderiam ser formuladas: O que fazer destes lugares? Qual sua finalidade? Seria possível guardar a história intacta, sem arranhões, manchas, rachaduras? Afinal, para que servem estes redutos de “coisas velhas”?
Uma das principais representações da história em meio ao senso comum são os museus. Falar de história para muitas pessoas é falar de museus. Caracterizados como “lugares da história”, onde ela pode ser guardada para ser mostrada para os demais, sem modificações, idêntica tal qual foi produzida em sua originalidade, os museus tornaram-se o reduto de “coisas velhas”.
Na composição das histórias regionais coube aos museus o papel de guardiões das identidades. Para alguns, mais exaltados em preservar suas identidades, estes lugares tem uma importância enorme, pois guardam as matrizes daquilo que deve ser preservado para poder continuar sendo reproduzido. No jogo das identidades, representam os elos entre o que foi, o que é, e o que deve vir a ser. Ou, entre o presente, o passado e o futuro. Até porque as identidades que dependem dos museus para sobreviver se definem pela obrigatória relação e ligação entre presente, passado e futuro, mesmo que o emaranhado de objetos e situações apresentadas nos museus possam ser totalmente desconexas no tempo e no espaço e, em muitos casos, não tenham nada a dizer de origens passadas, ou, pelo menos, não digam de forma tão concreta como alguns acreditam. É preciso lembrar que estes espaços são resultados de escolhas e de montagens do tempo presente. Não são exemplares a serem preservados, tal qual são para a biologia os animais em extinção.
Quando os gestores públicos, colocam os museus em seus planos de governo, dão a eles, de modo geral, duas funções; devem servir para preservar a já mencionada identidade regional, entendida como algo estático e atemporal, ou como uma possibilidade de desenvolver o turismo através da exposição dos monumentos que quando preservados representam uma boa paisagem fotográfica ou um lugar para satisfazer algumas curiosidades. Bem visto sejam aqueles que vêem nos museus uma possibilidade de atrair recursos financeiros através do turismo, talvez esta seja uma boa oportunidade para provarmos que, entre tantas possibilidades de utilização, a história também serve para gerar riqueza, mas isto só não basta, é preciso pensar outros projetos para estes lugares.
A história é dinâmica, e talvez muitos professores, administradores públicos e estudantes não saibam. O passado, muda e se transforma em um emaranhado de situações e possibilidades de interpretação. Digo isto para deixar claro que o conceito tradicional de museu não faz sentido para a história. Logo os museus entendidos como algo estático, parado, simples mostruário tem pouco significado para o trabalho dos professores de história e é ai que entram os alunos. Se conseguirmos reformular alguns conceitos em relação aos museus e a história, tornaremos os museus espaços dinâmicos de aprendizado e porque não de lazer para toda a comunidade. A inquietação dos alunos pode ser simplesmente falta de disciplina, mas pode ser resultado direto da inadequação dos espaços as crianças ou ao trabalho dos professores. Reformular os conceitos a respeito do papel e dos significados dos museus pode ajudar a transformar estes lugares em lugares de utilidade pública.
Para os professores de história, especificamente, a reformulação dos conceitos a respeito dos museus deve promover a integração destes espaços nas propostas anuais de trabalho. Eles não devem ser utilizados somente quando se estuda a história da cidade, do município, ou qualquer outra história que possam querer, nomeadamente, representar. Os museus podem e devem ser pensados dentro dos planos de trabalho dos professores para proporcionar as mais diferentes experiências a respeito da história. Cabe ao professor organizar as diferentes possibilidades de trabalho.
Há algumas semanas, ao comemorar seu quarto aniversário, o Museu da Música em Timbó, (e para quem não sabe, vale a pena lembrar que em Timbó temos um museu dedicado à música, único em seu estilo no Brasil), possibilitou aos alunos da Escola Clara Donner, da qual o autor que vos escreve é professor de história, uma experiência única. Através do trabalho do pastor Hans Hermann Ziel (coordenador), Adriana P. D. Becker (responsável pela oficina do museu), Cleonice R. G. Lacerda (responsável pelo centro de documentação), Bruna Hedler (estagiária) e de vários professores da Fundação Cultural de Timbó os alunos, ao visitarem o museu, tiveram a oportunidade de, além de ver instrumentos guardados em caixas de madeira e vidro, ouvir música. Acomodados em meio a instrumentos antigos, os alunos estavam literalmente hipnotizados pela música de qualidade proporcionada pela orquestra do maestro Hans Hermann Ziel, que intercalava as canções com explicações a respeito do processo de fabricação e da história dos instrumentos que tocava. Ouvia-se, via-se, tocava-se e isto tudo despertava no grupo um emaranhado de sentimentos que pode ser chamado de aprendizado. E para aqueles que podem estar pensando, mas os jovens não gostam de música de orquestra, experimentem levá-los ao museu da música ou a qualquer outro lugar em que eles possam experimentá-la.
Quando falamos de apreender história estamos falando de algo que pode ser ouvido, visto, tocado, enfim, percebido de diferentes maneiras se os museus estiverem dispostos a proporcionar estas experiências a seus visitantes serão sim um bom lugar para apreender história. Afinal, que lugar pode proporcionar a experiência de todos estes sentidos senão o museu? Agora, se continuarem a ser os locais onde repousa a história, exalarão eternamente o cheiro de velho, pois a história enquanto dorme transpira a mofo. E é justamente este cheiro de mofo que incomoda os alunos, que limita o trabalho dos professores. Aquilo que mofa está se deteriorando, assim como aquelas identidades estáticas, aqueles monumentos históricos esquecidos. Os museus até podem ter o cheiro de coisas velhas, mas se estiverem em movimento irão germinar em uma série de experiências de aprendizado proporcionadas àqueles que os visitam, em especial nossos alunos.
Com a desculpa de “preservar o passado” as pessoas acabam por condená-lo ao esquecimento. Enquanto historiador, adoro o cheiro de coisas velhas, mas sei que nem todos são historiadores e que principalmente para os jovens o cheiro de velho não é muito agradável, mas também enquanto historiador adoro o movimento, a dinâmica da história. Ao encenar a história, ao colocá-la em movimento, damos vida a ela, damos a ela a possibilidade de ser interpretada, de ser imaginada. Estamos assim transformando um espaço qualquer em um espaço de aprendizado.

Fabrício Adriano
historiador e professor da rede pública estadual.
e-mail: adrianoblu@pop.com.br

2 comentários:

Ali Assumpção disse...

muito bom o artigo do fabrício! tocou numa questão fundamental e que precisa ser pensada - como envolver, como evitar a passividade dos visitantes de espaços como museus ( o mesmo vale p museus de arte, com obras sempre tão sacralizadas, intocáveis e distantes).
Um espaço relativamente novo que conseguiu tornar envolvente e promover a proatividade dos visitantes ( diga-se, na exposição de um objeto/tema q pareceria monótono) é o museu da língua portuguesa em sp:
http://www.youtube.com/watch?v=wbErej0XdWI&feature=related

Darlan Jevaer Schmitt disse...

Parabéns Fabrício!
Seu artigo resume tudo o que nos cerca na maioria dos museus da região: a inércia...
Espaços (seja de arte, histórico uo de história natural)que contam uma história "morta" e, o pior, muitas vezes inventada...
Também acredito na mudança...
Vamos Lutar!