Viegas Fernandes da Costa
Foto: Futurapress / Último Segundo |
A possibilidade da poesia a que me refiro não está, entretanto, na inconcebível postura do poder público que há muito nos tenta convencer de uma identidade fabril e febril. Os bancos voltados para a estrada, cujo movimento e velocidade intensos nos martelam a urgência do mundo contemporâneo e seus negócios, e nos imputam culpa por estarmos ali, sentados, quando deveríamos estar esfalfando o melhor dos nossos anos produzindo para consumir, dizem desta cidade doente que um dia acreditávamos jardim. Assim, olhar para o rio configura-se antiproducente. Que discurso anuncia o rio? Este rio que é sempre mutante, este rio que nos diz do deslocamento, este rio que, líquido, não é concreto. Não por acaso, há quem defenda enjaular o rio, serpente sibilante que é.
A possibilidade da poesia a que me refiro está na capacidade de se ver e anunciar o absurdo. Não é pouca coisa reconhecer aos viventes o direito de contemplar o rio, o direito de sentar e compreender que a urgência do mundo contemporâneo e seus negócios não é maior que a urgência da própria vida. A poesia se anuncia no momento em que os significados da posição de um banco em via pública passam a ser tema de debate e ocupam as capas dos jornais. E um povo capaz de ouvir a poesia – e de olhar para o seu rio – é um povo que ainda respira, apesar de tudo!
* Íntegra do texto publicado no Jornal de Santa Catarina, 16/11/2011 por Viegas Fernandes da Costa