Santa Catarina, eu repito, não é um estado de espírito. Preciso provar, para além desse espaço aqui, o Escambau? Pois bem, então o faço através deste relato a respeito do I Encontro de Literatura e Artes e do III Fórum Brasileiro de Literatura de Blumenau, acontecido no passado mês de agosto.
Idealizado pelas professoras Tuca Ribeiro e Marilene Schramm, o evento foi acolhido pela FURB – Universidade Regional de Blumenau, pela Fundação Fritz Müller e pela Fundação Cultural de Blumenau, com o apoio da SEB – Sociedade Escritores de Blumenau.
FICÇÃO, LEITURA E IDENTIDADE
Foi com este tema que o escritor Godofredo de Oliveira Neto, blumenauense radicado no Rio de Janeiro, começou o evento. Godofredo, um dos maiores autores paridos por este estado e, atualmente, um dos maiores nomes da literatura brasileira, teve uma fala rica em reflexões a respeito da identidade do escritor e do leitor.
Autor de romances importantes na bibliografia nacional, como Pedaço de Santo e O Menino Oculto, Godofredo saiu aos 17 anos de Blumenau. Foi para a França, voltou, e já vive há bastante tempo no Rio. Mas o que isso teria a ver, afinal, com a sua escrita e a relação desta com o solo blumenauense? Talvez sejam necessárias raízes para se escrever e talvez essas raízes tenham importância desigual na composição literária.
Nada melhor para provar que, de fato, a relação do escritor com suas origens influenciam o seu texto. Para quem já o leu, é clara o contato que Godofredo mantém com terras catarinenses. E imagino que O Bruxo do Contestado, o primeiro romance famoso do autor, exemplifique o que tento dizer.
E O DIABO?
Boa pergunta. Muito boa mesmo! Pois que ele, o Diabo, talvez nunca tenha sido tão estudado e respeitado antes. É que a Profa. Dra. Salma Ferraz, da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, grande estudiosa literária influenciada e protagonista em terras brasileiras da Teopoética (estudos comparados de literatura e teologia) veio nos falar sobre As Malasartes do Diabo na Literatura Ocidental.
Salma fez um panorama, portanto, comparando os estudos literários que remetem ao Santíssimo (falo de Deus), mas que dificilmente remetem ao tinhoso. Explanando, portanto, a Bíblia, a Torá e o Corão, partindo daí para análises de teólogos a respeito da figura do Diabo, utilizando-se também de algumas súmulas católicas e finalmente retomando análises literárias, Salma nos mostra que o Diabo, afinal, não somente é parte importante e necessária da fé ocidental, como uma grande figura merecedora de análise.
Ao final de sua fala (uma hora e meia sem respirar — fala substancial, sem dúvida — Salma lançou seu novo livro de ficção. Depois de O Ateu Ambulante, livro recheado de contos premiados e, por assim dizer, questionadores, Salma lança um livro mórbido. A Ceia dos Mortos não poderia falar sobre outra coisa se não sobre morte. O que se lê, adianto, são variações sobre o mesmo inevitável tema. E variações variadas, contundentes, merecedoras de leitura.
TEM LUGAR PRA POESIA?
Tem sim, leitor. Na terceira noite do evento, aconteceu a mesa-redonda Poesia Blumenauense: De Onde Viemos, Para Onde Vamos, onde tive o prazer de compartilhar a fala com grandes autores, merecedores de leitura e atenção. Ali estavam, portanto, o Prof. Dr. José Endoença Martins, o Ms. Marcelo Steil, o poeta Mauro Galvão e este que vos escreve, Marcelo Labes.
Falando sobre a poesia produzida em Blumenau desde o século XIX, quando ainda era escrita em língua alemã, Marcelo Steil construiu sua fala sobre as noções marxistas de ideologia os respectivos reflexos desta na criação literária. Em seguida, rompendo estruturas, o professor José Endoença Martins referiu-se não somente à teoria de sua autoria sobre a poesia blumenauense, como foi além, reconstruindo sua carreira poética e acadêmica, chegando à pós-modernidade e explicando, por exemplo, estudos seus sobre negrice, negritude e negritice.
Em seguida, Mauro Galvão contemplou a pós-modernidade presente em seu texto, mas principalmente refletiu a necessidade de se ler, seja lá o que for, incluindo aí a quebra de limites imposta pela internet e seus possíveis reflexos na leitura do objeto-livro e nos hábitos de leitura e escrita da contemporaneidade.
Finalizando, foi a minha vez de falar e não podia perder a oportunidade de explicar às pessoas que nos ouviam que, baseado no que tinha ouvido nos dois dias anteriores, a leitura dos poetas que me acompanhavam na mesa-redonda não era somente necessária, mas obrigatória. Não porque eles precisem vender livros, mas porque precisamos de leitores críticos. Dessa forma, uma vez que tratamos de literatura blumenauense, imagino que seja um caminho interessante iniciar a crítica a partir de nossa realidade.
UM EVENTO QUE AINDA PROMETE
A professora Tuca Ribeiro não escondeu suas intenções. “Queremos iniciar aqui uma nova Jornada Literária, uma nova FLIP”. De fato, o primeiro passo foi bem dado. Discutindo leitura, identidade, ficção, o diabo na literatura ou os caminhos da poesia escrita em Blumenau, imagino que possamos ter participado de algo maior.
A partir do momento em que o pontapé inicial foi dado, resta-nos esperar pelo ano que vem para sabermos o que de fato acontecerá. De qualquer forma, o que ficou claro durante este evento é que não há somente pessoas interessadas em discutir literatura, conforme as pessoas presentes que falaram a respeito de seus e outros textos. Sobretudo, e digo isso baseado nos presentes, há pessoas interessadas em ouvir o que se tem a dizer a respeito do texto literário. Dessa forma, o que se pode esperar é que a semente germine. Germine e dê frutos e se torne uma grande árvore. Árvore de textos ou qualquer coisa assim.
Publicado originalmente no Falações.